18 junho 2016

Uma tal de Maria


"Boa noite, mãe. Boa noite, pai. Até amanhã". Era sexta. Eles comemoravam bebendo vinho. 

Fechei a janela do quarto, desliguei o computador e a televisão, apaguei a luz e deixei o ventilador funcionando na primeira velocidade, a menos potente. O barulho da chuva não amaciava meus ouvidos, como de costume, e o frio atípico me deixava desconfortável. "E Maria? Como e aonde deve estar nessa chuva?" - me perguntava. A coberta ficava cada vez mais fina, ao passo em que pensava nela.

Abri a quarta porta do guarda-roupa e tirei um casaco. O frio passou. E foi aí que percebi: eu tinha três casacos quando, na realidade, somente um era suficiente para me aquecer. "E Maria? Como e aonde deve estar nessa chuva?" - me perguntava. 

O sol voltava e, com ele, o calor rotineiro da cidade. Eram seis e alguma coisa, atravessava a passarela. Não tinha pressa de chegar, mas todas as outras pessoas pareciam não poder perder tempo ali. Maria estava na ponta, com as mãos estendidas, esperando que alguém, no meio daquela correria, pudesse olha-la e doar-lhe, ao menos um sorriso. 

"Olá!" - disse.

"Oi! É um presente, né?" - ela ficou radiante ao me ver.

"Eu disse que voltaria"

"Oi!" - disse minha amiga que me acompanhava naquele dia - "Te trouxe um lanche."

Ela comia com gosto. "É o meu preferido" - dizia minha amiga sobre o salgado. "É o mais quentinho" - eu dizia sobre o casaco.

As pessoas que tanto corriam de um lado para o outro da passarela, diminuíam a velocidade do passo quando nos viam sentado no chão quente conversando com Maria. 

Ela nos contou sobre como a passarela balançava. Eu senti e fiquei com medo, mas Maria não temia. Disse também que já pensou em pular várias vezes. "Eu quis morrer hoje, quis morrer ontem também. Mas eu não tenho coragem". A gente pediu para que ela não fizesse isso. Queríamos voltar mais vezes.

Maria de Lourdes - ela escreveu no meu caderno e disse que o L do seu nome era igual ao L do meu nome. E fiquei pensando. Nós temos o mesmo L, somos feitos da mesma matéria. Por que não olhei para ela antes? Será que foi pelo mesmo motivo que as outras pessoas não olham ainda? E que motivo é esse? Que negócio é esse que está contaminando as pessoas e fazem com que elas não vejam mais?

Me despedi e prometi voltar um dia. Enquanto eu descia a ladeira, Maria ficava mais distante, mas aquecida e com menos fome. 

É, Maria, a gente se encontra do outro lado da ponte. 


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