06 julho 2016

Estática | A menina que não tinha curvas (Parte 3)

Esperava que alguém estendesse o braço para chamar o ônibus, caso contrário, me recusava a entrar sozinha. O preenchimento de pessoas me ajudava a sustentar o peso que era perceber alguém me observando, inclusive os que estavam ali. Definitivamente, eu era muito complexa. Na verdade, não deixei de ser, mas as coisas parecem estar mais claras hoje em dia, e o fato de ter sido confusa demais com tudo era algo que me incomodava muito. Mal sabia eu que ninguém me olhava. A questão era como eu olhava para dentro de mim e, de certa forma, exteriorizava minhas dores, achando que os outros me julgavam constantemente. Mas a percepção disso ainda levaria tempo demais para antecipar a história.
De longe notei o número do meu ônibus piscando no letreiro e fiquei aliviada ao notar mais de uma pessoa abanando o ar com os braços esticados, pedindo para que parasse ali.
– Para na livraria dos ipês? – ouvi um homem perguntar ao motorista, enquanto eu tentava driblar duas pessoas que ainda iam pagar a passagem, já que eu tinha o cartão de estudante e não precisava pagar em espécie.
Quando guardei o cartão no bolso, notei que o ônibus estava lotado e já não tinha mais como voltar, pois já se movimentava e ainda tinham pessoas que não haviam passado da catraca. As pessoas se aglomeraram aos poucos, até que eu não conseguia mais ver a janela com facilidade e deveria segurar bem um ferro para não tropeçar e dar de cara com o chão.
Depois fiquei mais acostumada com o vai e vem, o que me ajudou a evitar com que o movimento provocado pelos buracos nas ruas me pegassem de surpresa, levando ao desequilíbrio. Eis que, de repente, sinto a mão de alguém tocar do início ao fim das minhas nádegas. Virei o rosto, na instintiva tentativa de intimidar o cara. Mas não funcionou. E isso fez com que o ódio subisse ainda mais a minha cabeça e ficasse ali retido, como se eu não pudesse fazer nada, como se eu não tivesse a capacidade de retrucar, como se eu fosse a culpada daquilo acontecer. Por que eu pensava assim?
– Opa. Foi mal aí, princesa. – notei que era o homem que perguntou ao motorista se o ônibus parava em uma livraria.
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