16 agosto 2014

Fica pra próxima.

- Levanta daí, menino! Larga esse livro e vai lá no seu Zé trazer dois reais de pão. - A senhora tem dois reais, tia? - Claro que não, né? Pede lá pro teu irmão. - Mas, tia, ele tá ocupado... – falou, receoso. - Que se dane, menino. Não quero passar fome, não! Seu irmão tem dinheiro pra dar e vender. Vai lá no barraco dele chamar. Foi com o peso de uma foice cravado em seu coração. Sabia que o melhor era ficar deitado, lendo aquele livro, que sua professora tinha lhe dado, do que incomodar o irmão, que nunca gostava de ser atrapalhado, enquanto estava negociando. Mas foi. Desobedecer à tia seria um ato muito mais impiedoso, do que desrespeitar as regras do irmão, as quais consistiam em: “nunca me incomode, mesmo que você ou outra pessoa esteja morrendo.” - Cê tem dois reais pra me emprestar? – disse, com um certo medo. - Já disse que não é pra me incomodar. Tenho dois reais, mas pra te emprestar... Não tenho não. – Riu em tom sarcástico, junto com seus “companheiros.” Abaixou a cabeça. O que ele poderia fazer? Apenas respeitar o tom rude de ser do irmão. Ele aprendeu com a vida. - Passa 30 gramas aí, rapá. – disse, o garoto com ginga carioca, provavelmente amigo de seu irmão. - Sai daqui, moleque! Vai atazanar lá a filha da mãe da nossa tia, vai. Corre! – gritou. Ele seguiu as ordens. Só sabia fazer isso. Seguir ordem, seja de tia, de irmão, de tio, da professora. Estava cheio disso tudo. - Tia! Eu falei que ele estava ocupado. Eu disse. Ele não deu o dinheiro. - Não tô nem aí. Vá pro sinal pedir. Com fome é que não vou ficar. Foi com o peso de um machado nas costas. Não sabia o que fazer, mas foi. Ele só queria ter a infância de uma criança normal. Do menino que estava do lado de dentro do carro, por exemplo. - Moço, tem como dar uma ajuda? – sorriu. - Tenho, não. Tô sem dinheiro! Fica pra próxima. - Pai, tem sim! O senhor acabou de comprar esse brinquedo pra mim! E eu vi um monte de dinheiro dentro da sua carteira. Dá um pouco pra ele, pai! – falou o menino de dentro do carro. - O sinal já vai abrir. Fica pra próxima. O pai ficou desconcertado. Sem graça, fechou o vidro e arrancou com o carro. “Que próxima?”... Os dois meninos ficaram se perguntando. Um não podia voltar para casa sem o seu brinquedo preferido. O outro não podia ir para onde reside sem, pelo menos, dois reais. Para comprar o pão. Preferiu não ir. Afinal, se fosse teria que dar todo o pouco dinheiro para a tia. E no outro dia, provavelmente, teria que voltar para o sinal. Não compensava. Resolveu ficar vagando pelas ruas. Procurou pela dignidade e pela infância. Jamais encontrou.

Um comentário:

  1. Incrível que nós vemos tanta maldade na TV que chega um ponto em que paramos de acreditar que ainda tem gente no mundo precisando mesmo de ajuda, né? Nunca tinha pensado por essa perspectiva. Apesar de ser uma triste realidade o seu texto foi muito bem elaborado e ficou ótimo!

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