Recomeçar nunca é ruim.
Durante o ano, creio que todas as pessoas vão tendo chances e novos começos.
Para Júlia, personagem principal dessa história, que está tão próximo de você quanto imagina, recomeça um novo
começo, como todos os anos. O verbo Recomeçar
em si, tem sua carga de grandeza e, no ponto de vista da personagem, é um
verbo Pseudônimo de um evento do qual chamamos de Ano Novo.
Sempre passava o Natal com a família por parte de mãe e
Ano Novo por parte de pai. Esse ano, especificamente, as divisões
inverteram-se. No Réveillon, sempre tem amigo secreto, sobremesas gostosas,
tudo na casa de praia. A regra era que os presentes do amigo oculto custassem ,
no máximo , dez reais. Por isso, os presentes nunca eram maravilhosos, mas o objetivo não era esse. O maravilhoso do jogo
era tentar acertar o amigo do outro, sorrir e confraternizar. Talvez, isso
pareça um papo furado, mas na
verdade, Júlia achava muito bom ter tudo aquilo por perto. Por mais que as
músicas fossem de velho, porque a
maioria eram avós, era muito engraçado rir das danças improvisadas e a animação
proporcionada por meio copo de vinho. A televisão era completamente esquecida
naquele dia. Se quer saber, Júlia e sua avó cumprimentavam-se com uma canção
efêmera: Uhuuul ( não é um grito de
vitória. É, de fato, um Uhuuul em
nota longa ) e, nesse dia , escutava-se muitos Uhuuul’s. O gosto das sobremesas e degustações eram marcas da vovó
e eles se repetiam todos os anos, mas isso não significa que o paladar enjoava
do delicioso bolo recheado. Até hoje tento descobrir a fórmula secreta dos
doces e, eu descobri que aquela conversa de que o ingrediente secreto é o amor é completamente verídico. Junto com
o amor, vem a boa vontade e inocência. Por isso, ao invés de amor, deveria ser o que ele proporciona
na cozinha: boa vontade e inocência. A
vó de Jú preparava com boa vontade cada pedaço da massa e cobertura. Enfeitava
com carinho e colocava muito recheio, afinal, ela não era uma boleira ( no sentido de ser uma pessoa
que faz bolo e, não , uma pessoa que joga bola muito bem ) de padaria que tenta
economizar em todos os ingredientes e, abusa no fermento. A inocência reverba a
desimportância com o capital, o que repercute no sabor e, isso é evidente. Eu
tive a sorte de comer muitos pedaços de bolo e torta da avó de Júlia e, posso
afirmar, com certeza que é muito melhor que a padaria mais famosa da esquina.
Jú também tinha um tio que sempre chegava atrasado, porque todos os anos ia a
igreja antes de ir até a casa de praia, o que é pedir para romper o ano no
carro. De fato, era natural ver um carro buzinando na frente de casa, depois de
ter rompido o ano e ter visto os fogos. Com alegria, sempre chegava gritando: “Oi, pessoal! Cheguei”. Sua tia morava no
Rio e vinha todos os anos, mas , excepcionalmente esse ano ela não veio, o que
estragou tudo: o amigo secreto , a praia , a comemoração com a família do pai.
Por isso, a divisão de festas em fim de ano inverteram-se.
O combinado era passar o Ano Novo com a família da mãe,
juntos. Foi uma noite em que Jú pode ficar com o pé misteriosamente colorido
por uma cor tão escura que passa do preto. Juntou-se com os seus primos e
brincou de todas as brincadeiras antigas possíveis: pique-esconde,
esconde-esconde, pega-pega, barra-bandeira e muitos outros. Claro que, em cada
cidade, algumas brincadeiras tem nomes diferentes, mas mesmo objetivo: correr e
divertir-se. Ver tios, escutar uma boa música, rir, brincar, correr. Tudo isso
era muito bom para Júlia, embora não pudesse estar com a família de seu pai,
como de costume.
-De que vamos brincar? – perguntou um dos primos de Jú
-Talvez, de uma brincadeira.
-Fala sério.
-Qual sua meta para o próximo ano?
-Prender o pum e soltar junto com os fogos.
Todos riram. As conversas seguiam um fluxo de mesmo naipe
e era bem legal para Jú. O pior de tudo isso foi que nesse ano não foram na
praia, o que deixou Júlia um pouco insatisfeita. Ficar na beira da praia para
ver os fogos tem sua mágica: os fogos estão mais perto de você, a sensação é
máxima, o vento empurra seu rosto da forma mais gentil possível e a aglomeração
de pessoas vestindo branco já traz uma certa paz. É muito mais fácil sorrir
quando se vê a queima de fogos na praia. Quando chegam no céu e fazem aquele
barulho estridente, você pode gritar tão alto que ninguém vai te escutar. Grite
o quanto seu ano foi bom ou ruim. Grite seus problemas, quem você odeia, jogue
tudo para fora de graça. É um exercício maravilhoso, segundo Júlia. Mas, como
sou um narrador que tentar sentir o que o personagem sente para melhor
transmitir, posso assegurar-te que é maravilhoso, mesmo. Pular as sete ondas,
não é uma superstição. É sentir a água gelada nos pés e confortar-se na
escuridão do mar. Ter a certeza de que os dias vão ser maravilhosos se você
colaborar consigo mesmo e com quem está ao seu redor. Outra coisa que Júlia
fazia muito, além das ondas e da gritaria, era mergulhar no raso do mar, porque
tinha medo de ir mais fundo. Mergulhava e sentia a água invadir a superfície do
corpo por completo. Isso proporcionava-lhe um prazer momentâneo e seu tamanho
ficava tênue perto de tudo na praia.
Todos, juntos, decidiram ir a cobertura ver os fogos e
comemorar a chegada de um novo ano, abraçados. O elevador do prédio estava
lento, lento, lento ( até bocejei agora. Perdão pela falta de educação minha.
Se preferir, pode parar sua leitura por alguns minutos até que o elevador
chegue ). Quando chegou, uma parte dos que ficaram no andar, entraram juntos,
apertando e dando um jeitinho para
que o outro entrasse. Foi nesse momento que todos perceberam o elevador
descendo. Chegou ao andar e as portas abriram-se: era um senhor indeciso.
-Cabe mais um. – afirmou Jú.
-Obrigado. – agradeceu com bafo de cigarro.
O elevador abriu novamente, mesmo quando todos estavam
dentro.
-O senhor deve estar no sensor, por isso não fecha. –
disse Júlia.
-Não. Você que apertou o botão de abrir ao invés de
fechar. – afirmou o velhinho, seguro.
-Perdão. – desculpou-se e o elevador subiu.
Chegaram a cobertura e viram algumas pessoas aglomeradas
no vidro a espera dos fogos. Eis que deu meia noite e um novo ano chegava,
novas oportunidades, novos suspiros. Todos saudaram-se, abraçaram-se e
gargalharam muito. Júlia sentia-se feliz, por estar ali, com sua família, mas
ainda sim, uma parte do seu coração e o corpo inteiro queria estar na praia.
Fogos de artifício são diferentes dos Fogos
de Ano Novo , embora tenham efeitos similares, o momento muda tudo. É como linhas que sobem calmas até o céu e
explodem no fim. Como a tradução de um ano inteiro percorrido que entra em
explosão, em sintonia, no ponto mais alto.
Todos voltaram para o apartamento e, na volta o mesmo
senhor estava na mesma viagem de
elevador com Júlia.
-Feliz Ano Novo. – disse o senhor.
-Feliz Ano Novo. – todos que estavam no elevador
desejaram, juntos.
-Tenho certeza de que nossa virada foi bem melhor do que
de todas as pessoas que estão presas no trânsito, até agora.
-Certamente. – concordou Jú.
A comemoração chegava ao fim, todos os primos já haviam
dormido e sobravam apenas os fortes resistentes a sobremesa. Que restava para
Júlia era afogar-se em um bolo gelado e assistir aos shows na televisão.
É natural que as pessoas durmam bastante tarde no Ano
Novo, embora , depois da meia-noite , o motivo da comemoração passe de “Espera
para um ano novo” para “Viva o ano novo”. O que, muitas vezes, Jú consegue
entender é o dom que alguns tem de estragarem uma data tão especial, que merece
ser lembrada, com bebida, bebida, bebida. Ainda bem que Jú não sabe o que é
viver o primeiro dia do ano com ressaca ( para falar a verdade, não sabia o que
é ressaca, de fato. Odeio o cheiro das bebidas alcóolicas ). Ia dormir ás três
da manhã, perto das quatro. Não sei que aconteceu nesse meio tempo, mas , na
medida em que o sol nascia, um verão novo chegava e, não sei se isso é um ponto
positivo ou negativo. Não sei se você sabe como é acordar (agoniado: encontrar
sinônimo) por causa do calor, não tardio. Mal abriu os olhos, muito menos se
tiraram as ramelas e foi direto para o banheiro, debaixo do chuveiro. Sentia a
água descer seu corpo, mas ao mesmo tempo, sentia calor. Fazia 41 graus naquele
primeiro dia de verão e era muito difícil encontrar-se em um ambiente agradável,
porque a quentura era grande, como
dizia sua avó. Mesmo que o dia tenha nascido agoniado da gota serena, a praia ainda poderia salvar tudo até a
página dois.
Júlia sempre amou a praia. O ambiente familiar, as
pessoas correndo, a brisa ausente no verão, sentir a terra, molhar os pés no
mar. Tudo isso era, de fato, muito agradável de se fazer no fim da tarde. Não
gostava de virar humano de água salgada que fica o dia inteiro dentro do mar
tentando seguir o fluxo da onda e deixa-la levar até a areia, popularmente
conhecido como pegar jacaré . Muito
menos, ficar bronzeando-se ou, melhor dizendo, torrando-se, o que era um ponto
positivo, afinal, faz mal para pele. O bom de tudo era ver gente, sentir o
final da tarde na veia, o sol sendo engolido pelo mar, correr na areia
sorrindo, abrir a boca e deixar o vento entrar, escutar música no fone á volume
máximo. Aquelas coisas bem típicas de propagandas de manteiga: uma família
feliz que toma suco, come pão e sorri, sem parar. Coitada da mandíbula da pobre
família feliz.
Crédito: Its Denise |
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