15 setembro 2014

Recomeços | Crônica

Recomeçar nunca é ruim. Durante o ano, creio que todas as pessoas vão tendo chances e novos começos. Para Júlia, personagem principal dessa história, que está tão próximo de você quanto imagina, recomeça um novo começo, como todos os anos. O verbo Recomeçar em si, tem sua carga de grandeza e, no ponto de vista da personagem, é um verbo Pseudônimo de um evento do qual chamamos de Ano Novo.

Sempre passava o Natal com a família por parte de mãe e Ano Novo por parte de pai. Esse ano, especificamente, as divisões inverteram-se. No Réveillon, sempre tem amigo secreto, sobremesas gostosas, tudo na casa de praia. A regra era que os presentes do amigo oculto custassem , no máximo , dez reais. Por isso, os presentes nunca eram maravilhosos, mas o objetivo não era esse. O maravilhoso do jogo era tentar acertar o amigo do outro, sorrir e confraternizar. Talvez, isso pareça um papo furado, mas na verdade, Júlia achava muito bom ter tudo aquilo por perto. Por mais que as músicas fossem de velho, porque a maioria eram avós, era muito engraçado rir das danças improvisadas e a animação proporcionada por meio copo de vinho. A televisão era completamente esquecida naquele dia. Se quer saber, Júlia e sua avó cumprimentavam-se com uma canção efêmera: Uhuuul ( não é um grito de vitória. É, de fato, um Uhuuul em nota longa ) e, nesse dia , escutava-se muitos Uhuuul’s. O gosto das sobremesas e degustações eram marcas da vovó e eles se repetiam todos os anos, mas isso não significa que o paladar enjoava do delicioso bolo recheado. Até hoje tento descobrir a fórmula secreta dos doces e, eu descobri que aquela conversa de que o ingrediente secreto é o amor é completamente verídico. Junto com o amor, vem a boa vontade e inocência. Por isso, ao invés de amor, deveria ser o que ele proporciona na cozinha: boa vontade e inocência. A vó de Jú preparava com boa vontade cada pedaço da massa e cobertura. Enfeitava com carinho e colocava muito recheio, afinal, ela não era uma boleira ( no sentido de ser uma pessoa que faz bolo e, não , uma pessoa que joga bola muito bem ) de padaria que tenta economizar em todos os ingredientes e, abusa no fermento. A inocência reverba a desimportância com o capital, o que repercute no sabor e, isso é evidente. Eu tive a sorte de comer muitos pedaços de bolo e torta da avó de Júlia e, posso afirmar, com certeza que é muito melhor que a padaria mais famosa da esquina. Jú também tinha um tio que sempre chegava atrasado, porque todos os anos ia a igreja antes de ir até a casa de praia, o que é pedir para romper o ano no carro. De fato, era natural ver um carro buzinando na frente de casa, depois de ter rompido o ano e ter visto os fogos. Com alegria, sempre chegava gritando: “Oi, pessoal! Cheguei”. Sua tia morava no Rio e vinha todos os anos, mas , excepcionalmente esse ano ela não veio, o que estragou tudo: o amigo secreto , a praia , a comemoração com a família do pai. Por isso, a divisão de festas em fim de ano inverteram-se.


O combinado era passar o Ano Novo com a família da mãe, juntos. Foi uma noite em que Jú pode ficar com o pé misteriosamente colorido por uma cor tão escura que passa do preto. Juntou-se com os seus primos e brincou de todas as brincadeiras antigas possíveis: pique-esconde, esconde-esconde, pega-pega, barra-bandeira e muitos outros. Claro que, em cada cidade, algumas brincadeiras tem nomes diferentes, mas mesmo objetivo: correr e divertir-se. Ver tios, escutar uma boa música, rir, brincar, correr. Tudo isso era muito bom para Júlia, embora não pudesse estar com a família de seu pai, como de costume.

            -De que vamos brincar? – perguntou um dos primos de Jú
            -Talvez, de uma brincadeira.
            -Fala sério.
            -Qual sua meta para o próximo ano?
            -Prender o pum e soltar junto com os fogos.
            
Todos riram. As conversas seguiam um fluxo de mesmo naipe e era bem legal para Jú. O pior de tudo isso foi que nesse ano não foram na praia, o que deixou Júlia um pouco insatisfeita. Ficar na beira da praia para ver os fogos tem sua mágica: os fogos estão mais perto de você, a sensação é máxima, o vento empurra seu rosto da forma mais gentil possível e a aglomeração de pessoas vestindo branco já traz uma certa paz. É muito mais fácil sorrir quando se vê a queima de fogos na praia. Quando chegam no céu e fazem aquele barulho estridente, você pode gritar tão alto que ninguém vai te escutar. Grite o quanto seu ano foi bom ou ruim. Grite seus problemas, quem você odeia, jogue tudo para fora de graça. É um exercício maravilhoso, segundo Júlia. Mas, como sou um narrador que tentar sentir o que o personagem sente para melhor transmitir, posso assegurar-te que é maravilhoso, mesmo. Pular as sete ondas, não é uma superstição. É sentir a água gelada nos pés e confortar-se na escuridão do mar. Ter a certeza de que os dias vão ser maravilhosos se você colaborar consigo mesmo e com quem está ao seu redor. Outra coisa que Júlia fazia muito, além das ondas e da gritaria, era mergulhar no raso do mar, porque tinha medo de ir mais fundo. Mergulhava e sentia a água invadir a superfície do corpo por completo. Isso proporcionava-lhe um prazer momentâneo e seu tamanho ficava tênue perto de tudo na praia.

Todos, juntos, decidiram ir a cobertura ver os fogos e comemorar a chegada de um novo ano, abraçados. O elevador do prédio estava lento, lento, lento ( até bocejei agora. Perdão pela falta de educação minha. Se preferir, pode parar sua leitura por alguns minutos até que o elevador chegue ). Quando chegou, uma parte dos que ficaram no andar, entraram juntos, apertando e dando um jeitinho para que o outro entrasse. Foi nesse momento que todos perceberam o elevador descendo. Chegou ao andar e as portas abriram-se: era um senhor indeciso.

            -Cabe mais um. – afirmou Jú.
            -Obrigado. – agradeceu com bafo de cigarro.
            O elevador abriu novamente, mesmo quando todos estavam dentro.
            -O senhor deve estar no sensor, por isso não fecha. – disse Júlia.
            -Não. Você que apertou o botão de abrir ao invés de fechar. – afirmou o velhinho, seguro.
            -Perdão. – desculpou-se e o elevador subiu.

Chegaram a cobertura e viram algumas pessoas aglomeradas no vidro a espera dos fogos. Eis que deu meia noite e um novo ano chegava, novas oportunidades, novos suspiros. Todos saudaram-se, abraçaram-se e gargalharam muito. Júlia sentia-se feliz, por estar ali, com sua família, mas ainda sim, uma parte do seu coração e o corpo inteiro queria estar na praia. Fogos de artifício são diferentes dos Fogos de Ano Novo , embora tenham efeitos similares, o momento muda tudo. É  como linhas que sobem calmas até o céu e explodem no fim. Como a tradução de um ano inteiro percorrido que entra em explosão, em sintonia, no ponto mais alto.

Todos voltaram para o apartamento e, na volta o mesmo senhor estava na mesma viagem de elevador com Júlia.

            -Feliz Ano Novo. – disse o senhor.
            -Feliz Ano Novo. – todos que estavam no elevador desejaram, juntos.
            -Tenho certeza de que nossa virada foi bem melhor do que de todas as pessoas que estão presas no trânsito, até agora.
            -Certamente. – concordou Jú.

A comemoração chegava ao fim, todos os primos já haviam dormido e sobravam apenas os fortes resistentes a sobremesa. Que restava para Júlia era afogar-se em um bolo gelado e assistir aos shows na televisão.

É natural que as pessoas durmam bastante tarde no Ano Novo, embora , depois da meia-noite , o motivo da comemoração passe de “Espera para um ano novo” para “Viva o ano novo”. O que, muitas vezes, Jú consegue entender é o dom que alguns tem de estragarem uma data tão especial, que merece ser lembrada, com bebida, bebida, bebida. Ainda bem que Jú não sabe o que é viver o primeiro dia do ano com ressaca ( para falar a verdade, não sabia o que é ressaca, de fato. Odeio o cheiro das bebidas alcóolicas ). Ia dormir ás três da manhã, perto das quatro. Não sei que aconteceu nesse meio tempo, mas , na medida em que o sol nascia, um verão novo chegava e, não sei se isso é um ponto positivo ou negativo. Não sei se você sabe como é acordar (agoniado: encontrar sinônimo) por causa do calor, não tardio. Mal abriu os olhos, muito menos se tiraram as ramelas e foi direto para o banheiro, debaixo do chuveiro. Sentia a água descer seu corpo, mas ao mesmo tempo, sentia calor. Fazia 41 graus naquele primeiro dia de verão e era muito difícil encontrar-se em um ambiente agradável, porque a quentura era grande, como dizia sua avó. Mesmo que o dia tenha nascido agoniado da gota serena, a praia ainda poderia salvar tudo até a página dois.

Júlia sempre amou a praia. O ambiente familiar, as pessoas correndo, a brisa ausente no verão, sentir a terra, molhar os pés no mar. Tudo isso era, de fato, muito agradável de se fazer no fim da tarde. Não gostava de virar humano de água salgada que fica o dia inteiro dentro do mar tentando seguir o fluxo da onda e deixa-la levar até a areia, popularmente conhecido como pegar jacaré . Muito menos, ficar bronzeando-se ou, melhor dizendo, torrando-se, o que era um ponto positivo, afinal, faz mal para pele. O bom de tudo era ver gente, sentir o final da tarde na veia, o sol sendo engolido pelo mar, correr na areia sorrindo, abrir a boca e deixar o vento entrar, escutar música no fone á volume máximo. Aquelas coisas bem típicas de propagandas de manteiga: uma família feliz que toma suco, come pão e sorri, sem parar. Coitada da mandíbula da pobre família feliz. 

Crédito: Its Denise


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