16 setembro 2014

Caminhos doces, destinos incertos... | Crônica

O sol se escondia nas nuvem e ousava aparecer para sumir de novo. O chão estava rugado de passagens e histórias que a estrada deixava e levava. O campo aparecia tridimensional na paisagem: mais claro atrás e nítido na frente. Alguns seguiam mais rápido, outros com mais cautela, porém todos cientes das impossibilidades de chegada. O som dentro dos fones de Júlia era leve, caminhões de carga retardavam o trânsito por carregarem muitas coisas e serem pesados. Dentro do carro estava confortável. Lá fora o sol lapidava o chão, fazia sofrer os animais e desesperar os comerciantes dependentes de tal renda para sobreviver. Isso já tirava Jú do conforto. E, seguia sem fim, sem curva, com rumo. Reto.

Jú continuava sentindo a música pela natureza de fora e sentia-se tão ousada quanto quem atravessa por baixo de uma passarela. Debaixo dos fios de eletricidade, Júlia e seus pais seguiam acelerados á 100.

Estrada afora, Júlia olhava para trás com a certeza de que seus rastros foram deixados em alguma superfície. Olhava para frente observando a imensidão do caminho e para cima, desejando passear pelas nuvens, pulando de uma para outra, com os pés sem cair. A firmeza nos pedaços de algodão conservavam-se nos sonhos e os pés do real permaneciam presos-livres ao chão, terreno real e possível de alcançar. Droga da existência de utopias. Viva a superação existente nas barreiras.

De que seria gosto de superação sem gosto amargo proporcionado pelo não?

Na estrada, a família completa saboreava chocolate. Jú comprimia com a língua o bombom, com o céu da boca, espremendo todo recheio que invadia o paladar e o prazer da alma.

Devo resgatar o fato de que não tenho boas lembranças de Recife. Todas as vezes que passei por lá, todos os fatores que me asseguram quanto pessoa feliz, correm o caminho inverso. Só de lembrar as angústias e aflições que passei naquele lugar, fico tão nervoso que meus lábios secam e minha língua pede água. Tanto que já tomei duas garrafas só escrevendo este parágrafo. Confesso que fico um pouco aflito ao saber que Júlia está indo justo no lugar onde tudo desencontra para mim, mas espero que não passe por tudo que passei.


-Chegamos! – gritou a mãe animada dentro do carro.

Enquanto comemorava-se a chegada em Recife, há exatamente quatro mil quilômetros, planejava-se o destino de sonhos. Jack Hans sentava-se com a equipe de televisão e começava um trabalho de seleção de talentos.

-Eu quero dar essa oportunidade para uma menina que tem potencial na voz, no brilho de artista, no ponto comercial, em tudo. Só que isso não vai acontecer como um programa comum, onde as garotas enviam vídeos, nós analisamos , selecionamos e tudo mais. Eu vou até elas e estarei presente de alguma forma, ainda não sei como, mas vou estar para flagrar o momento exato que uma delas vai estar cantando e chama-la.

-Não se passou nem uma ideia de como você vai estar lá? Porque você é o Jack Hans e sua presença é perceptível. – disse o diretor da televisão.

-Você pode ficar escondido, talvez. E, do nada, aparece. Quando a garota perceber, vai se dar conta de que está cantando para você e as câmeras vão aparecendo. – sugeriu uma das empresárias presente na mesa de reunião.

-Meu objetivo, nessa reunião, é sentar e decidir que cidades eu vou. Então, vamos em pontos. Primeiro, decidiremos isso. Depois, a gente segue com o tópico de como eu vou aparecer no dia.

-Ok. – Uma concordância ao mesmo tempo. Um “ok” que saia da boca de todos presentes.

-Sugiro que a gente faça um sorteio com todas as capitais e tiraríamos quatro. Você escolhe quatro garotas em cada cidade. É o que a produção pode patrocinar. Quatro capitais com quatro dias em cada cidade. – disse a diretora geral da televisão.

 -Tudo bem. Então, vamos lá. – concordou Jack

Toda a produção imprimiu envelopes pequenos com um nome de cada capital brasileira por envelope. Por fim, colocaram em uma caixa, sacudiram e lá estava a primeira sorteada:

 -A primeira sorteada é Salvador, Bahia. – anunciou Jack.

 -A segunda, João Pessoa, na Paraíba. – disse Jack abrindo mais um envelope da caixa.

-Agora temos, Natal, no Rio Grande do Norte. Somente nordeste. Puxa, que demais.

-Por fim, a última é... ( pausa ) Rio de Janeiro. Muito bem, pessoal! Agora minha missão é, junto com minha equipe, elaborar os mínimos detalhes. Passagens, datas, estadia, alimentação e conforto. Muito obrigado e até próxima semana.

Jack seguia para a sala de reunião com sua equipe pessoal e deixava todas as pessoas da televisão enlouquecidas atrás de datas e programação do reality.

-Jullie, diga-me a agenda completa, por favor.- exigiu Jack.

-Sim, senhor. Esse mês temos coletiva de impressa em São Paulo, gravação do programa aqui no Rio, lançamento do livro em Vitória, palestra em Fortaleza e, surgiu um imprevisto.

-Qual?

-Lembra da sessão de autógrafos em Recife?

-Sim.

-O pessoal da livraria ligou ontem alegando que estão prestes a fechar e adiaram todas as passagens para amanhã, incluindo hospedagem.

-Como? – perguntou Jack com uma expressão tanto quanto raivosa.

-Isso mesmo, senhor.

-Por isso, Jullie , que não devemos fechar contrato com livraria qualquer. Desde o início do ano que a gente devia ter entrado em acordo com um nome grande.

-Jack, o seu livro faz mais sucesso no nordeste do que em qualquer lugar. Eles fizeram um banner enorme que está na frente do shopping: “Lançamento : ‘Nos bastidores de Jack’ amanhã com Jack Hans”.

-Fazer o que? Desmarque tudo que temos amanhã e selecione dez pessoas da equipe, incluindo segurança para irem.

-Sim, senhor.

Quando Jack saiu da sala, sua secretária foi quase engolida por seus colegas. Sinceramente, não queria estar no lugar dela. Se você tem dúvida, devo dizer que quando Jack pede para que pessoas de sua equipe o acompanhe em alguma viajem, a decisão sempre fica nas mãos da pobre secretária, Jullie.


-Jullie, trabalho aqui faz um ano próximo mês e nunca fui para nenhuma viajem.- implorou uma das moças.

-Eu trabalho há dez ano e vivo comprando passagens. – retrucou Jullie.

-Acho justo um sorteio. – sugeriu um dos rapazes.

-Vamos acabar com isso por meio da democracia: é o que eu digo e pronto.

Nesse momento se iniciou um “blá, blá, blá” sem fim. Resultado negativo da tentativa de Jullie para implantar um certo absolutismo ( “é o que eu digo e pronto” ).

-Jullie, vou quebrar a sua bastilha ( símbolo do poder absolutista na França ) – disse uma das mulheres.

-A sua piada histórica não teve um pingo de graça. – respondeu Jullie.

-Vamos decidir quem vai? – sugeriu um dos rapazes.

-Novato? – disse Jullie apontando para um rapaz.

-Sim? – disse.

-Você vai. – respondeu.

-Ok.

-Junto de você vai  Cláudia, Anne e Jefferson. Combinado. Peguem as passagens comigo no fim da tarde.

Devo dizer que aquelas conversas aleatórias continuavam. Mas, posso afirmar que a maioria dos comentários se baseavam em: “O novato... É novato! Já indo viajar?” E, por falar nesse tal novato, foi curioso a escolha de Jullie. Talvez, o que tenha a chamado atenção fora a tranquilidade, simplicidade e objetivismo. Creio que isso pode-se notar em uma semana. O novato, que já podemos deixar de chama-lo assim, e sim de Arthur, chegou para uma das pontas do escritório e pôs o celular nos ouvidos, fazendo uma ligação.


-Tia?...Oi! Como vai?...Muito bem! O novo trabalho é ótimo e meu apartamento é aconchegante.....Sim! É que estou ligando para avisar que estarei em Recife amanhã....Claro! Você pode me mandar uma mensagem de texto e a gente combina em que lugar se encontrar....Por favor, a leve....Um beijo!....Claro! Quer que eu leve alguma coisa?....Está muito em cima.....Tudo bem! Eu vou tentar....Tchau.

-Arthur? – uma voz interrompeu o fim da ligação.

-Sim. – respondeu.

-Jullie mandou avisar que já imprimiu as passagens. A propósito, meu nome é Anne.

-Claro, Anne. Obrigado por avisar. Desculpe perguntar, mas é impressão ou você vai também?

-Sim, vou.

-Ok... Estou indo buscar a passagem. Obrigado.

-Tchau. – se despediram.

Engraçado. Existem alguns casos em que se percebe quando existe apaixona mento. Talvez, isso seja um ponto ruim porque o bom de estar apaixonado é manter esse segredo consigo. Portanto, se é tão perceptível assim, o segredo não é bem guardado pelos que ficam em volta do escritório. Quando as palavras se atropelam, os olhos fogem, um canto do rosto fica vermelho ou escuta-se o coração batendo mais alto, talvez sejam sintomas que alerta os que estão por perto.

A junção de um novo espaço de trabalho, pessoas tão diferentes e, de partida, uma responsabilidade somada a outras, deixou Arthur já excessivamente tenso, o que é muito ruim, porque ele sempre foi intenso em tudo que faz com determinação. A intensidade, muitas vezes podem desacelerar o que não pode ser desacelerado, como nossa saúde, por exemplo. O medo de saber se aquelas pessoas estariam gostando do seu trabalho, a expectativa de corresponder a tudo que acarretou e tudo o que há por vir.


-Jullie? – chamou Arthur, confirmando sua presença.

-Pode entrar. – respondeu Jullie.

-Anne pediu que eu viesse aqui.

-Aqui estão suas passagens.- respondeu Jullie as entregando

 -Obrigado.- respondeu, saindo da sala.

 -Espere. – ordenou Jullie.

-Oi. – disse Arthur voltando.

-Sente-se. Tenho algumas dicas para dar e direcionar seus deveres. Jack não gosta de atender gente em hotel, então , despiste-os e, quando ele chegar, escolte-o. Dará uma palestra na livraria do shopping e também uma sessão de autógrafos. Lá, ocorre tudo normalmente e, vai poder atender os fãs. No caso, não deixe que ninguém o interrompa durante palestra com perguntas fúteis e óbvias, porque isso o irrita muito. Não temos fotógrafos, por isso , conto com você para se virar por lá. Tudo certo?

-Sim, com certeza. Mas, ainda tenho uma dúvida.

-Pode dizer.

-Por que as pessoas disputam tanto para ir se vão todos trabalhar?

-Por dois motivos: primeiro, que é muito melhor trabalhar em uma cidade legal, quente, do que ficar sentado em uma cadeira. Segundo que ,no fim da noite, Jack dorme e toda equipe desce para brindar, ver a praia.

-Desculpe por enche-la de perguntas, mas se a disputa é tão grande, por que me escolheu?

-Não se incomode. Escolhi-o, porque em duas semanas consegui enxergar coisas que não consigo com muitos. Enfim, agora eu que devo lhe perguntar: pareço rude?

-De forma alguma. Consigo entender que seu trabalho é difícil.

-Pois bem. Jack disse que os quatro selecionados estarão liberados ás 17 horas para arrumarem suas malas e irem fazer o check in ás 21 horas no aeroporto. Ele deve ter um voo diferenciado, porque vai em um lugar mais confortável do que o que vocês vão.

-Tudo bem. Isso significa que eu já posso ir.

-Sim, pode ir. Uma boa viajem.

Dentro daquele diálogo, Arthur percebia que Jullie era entupida de deveres, com direitos mínimos e, na mesma medida, as pessoas iam criticando-a, falando mal, mas sempre realizara seu trabalho com dignidade e pontualidade.

Eram 20 horas e Arthur estava pronto, já no aeroporto. Aproveitou que ainda faltava uma hora e fez uma ligação.

-Oi, tia...Que bom!...Olha, eu devo ficar livre somente amanhã a noite porque o Jack vai dar uma palestra no shopping e eu vou....Sim, Jack! O produtor da televisão....Não sei, tia! Mas, quero muito isso. Ele não gosta muito de atender as pessoas em hotel, parece.... Claro! Deve chegar depois de mim, e vou lhe responder por mensagem.....Ligo!.....Um beijo! – desligou.

Existem alguns momentos que estamos tão fixos em alguma coisa que perdemos nossos reflexos naturais, e quando estou em uma livraria isso é bem comum. Arthur escolhia um bom livro para ler durante a ida e, não percebeu que uma pessoa havia chegado do seu lado. Quando, finalmente, tinha escolhido o livro, uma mesma mão insistiu em escolher o mesmo. É natural que, quando duas pessoas peguem uma coisa só, uma mão desapareça em instantes, ( a não ser que esteja na promoção ) e as duas soltaram. Quando olhou o rosto pôde perceber quem era.

-Anne! Oi.- disse Arthur.

-Você decidiu ler esse livro também ?

-Não leio. Engulo livros desse tipo.

-Mesmo? Que consciência!- exclamou Anne rindo.

-Eu amo ficção.

-Eu também! Você já leu “Serie(n)s” ?

-Li todos!!

-É muito bom.

 -Mas, quer saber? Pode ficar com esse. Eu quero muito ver o guia de turismo de Nova York.

 -Eu vou ser indelicada e aceitar sua proposta.

-Tudo bem! Isso é o correto e não há indelicadeza se vier de você.

-Obrigada pelo elogio, acredito que tenha sido.

-Absorva como positivo.

-Eu vou pegar o guia e podemos tomar café juntos. Isso se você aceitar.

-Somos companheiros de viajem. Aceito seu pedido.

Alguns sintomas como bochechas vermelhas, olhares escapados e tiques nervosos, foram exauridos. Quando isso acontece, normalmente penso em duas possibilidades: ou não há paixão de namoro ou é inicio de uma linda amizade. Mas, quem sou eu para falar de amor? Um adulto sozinho em um apartamento de Copacabana escrevendo histórias e contos sem pretensão de que isso vire uma folha de caderno impresso. Calma. Vamos analisar: primeiro que uma folha de caderno não pode ser impressa pelo fato de já ser uma folha impressa com linhas. Segundo, quem teria pretensão de imprimir histórias em um caderno? Isso fez coerência? Terceiro, estou contando história de outras pessoas, e não a minha. Como sou desfocado!


-Você trabalha há quantos anos na assessoria de Jack? – perguntou Arthur para Anne que estava sentada com ele, tomando café.

-Dois.

-Você sempre viaja com ele?

-Muitas vezes. O hotel não é tão legal quanto as pessoas do escritório falam. As fãs invadem, se hospedam, ficam perambulando o andar e, ele nem atender, gosta. Jack vive para o trabalho, a escrita, arte. Não em função de atender um público. Por isso, detesta que as meninas façam essas loucuras.

-Quer dizer que elas dão trabalho?

-Demais. Muitas são insistentes ao extremo e quem ganha a medalha de soberbos, frios e chatos? Nós.

-Ás vezes é complicado entender que a gente está lá para fazer um trabalho e não como fãs. Porque, para falar a verdade, eu sou fã do Jack. Portanto, consigo me comportar para trabalhar.

-Mas fico com pena de todas e de alguns garotos também. Ficam dormindo no frio, lá na porta. Tenho vontade, ás vezes, de traze-los para dentro do meu quarto, conforta-los e dizer que o Jack viria para atender, mas isso é inviável.

-Senhoras e senhores do voo 205 se encaminhem a sala de embarque. – ecoou uma voz.

-Quanto tempo ficamos na livraria? – indagou Anne.

-Não sei! Quando entrei, ainda faltava uma hora para o embarque.

-De qualquer forma, vamos entrar.

-Vamos!



A fila para entrar no avião estava andando sem pressa. Anne e Arthur seguiam, sem sono, com livros.

Crédito: Shutup gabee

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