03 julho 2015

Foice. | Camilla Custódio





Todos os objetos estavam em seu devido lugar. O sabonete, para se ensaboar e ir a reunião (já estava atrasado). O perfume para passar após o sabonete. Para ele, extremamente desnecessário, mas não para as pessoas de seu convívio. O terno comprado por, mais ou menos, um salário mínimo. Um desperdício, pensou. Não para o seu chefe, que queria ver todo mundo alinhado – e embolado em dívidas. O relógio, obviamente, de ouro. Para chamar a atenção. Não gostava muito dela – da atenção –, mas as pessoas que estavam em volta adoravam-na. E talvez não gostassem tanto assim dele como dela. A tesoura para cortar seu cabelo. Era ele quem cortava. A única coisa que tinha orgulho de fazer. Estava atrasado. Mas não queria ir. Enfrentar obrigações sociais o incomodavam, ainda mais “a essa hora da noite.” Sua cabeça estava fora do lugar. Queria apenas descansar. Correu. Foi para o chuveiro, ensaboou-se, perfumou-se, “relojou-se”, endinheirou-se. Aquelas notas com números estampados davam repúdio. Aquele sabonete comprado em-sei-lá-que-loja com aquelas notas o davam nojo. Aquele perfume dava mau cheiro. Aquele relógio dava menos notas com números estampados em sua conta bancária. Aquela vida não dava. Já deu. Melhor ir. Pegou a tesoura e foi. Todos os objetos continuavam em seu devido lugar.

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