28 janeiro 2016

sete de setembro


Peguei um ônibus de manhã, daqueles menores que sempre estão lotados e, mesmo assim, entram duas pessoas a cada minuto, saindo apenas uma a cada parada. Parece que, dessa vez, o fato de estar atrasado já era castigo suficiente, então haviam seis bancos disponíveis para mim. 

O cobrador falava sobre a treta dele com outro boy (é assim que chamam os garotos e garotas aqui em Natal. São todos boys) para o motorista, alternando a conversa com gritos na janela que diziam os lugares mais distantes que o ônibus parava e que era Via Praça.

Olhei para a janela e lá estava o prédio de Clara. Que saudade! Nós discutíamos sobre coisas relevantes. Não necessariamente sobre políticas, mas questões humanas mesmo, como andar de ônibus todos os dias e nem olhar pra cara do motorista. Olha, eu nem sei se isso é uma questão humana, mas caso não seja, é difícil pensar em outra definição.

Enfim... o fato é que uma mulher de cabelo negro, com o óculos em cima da cabeça e blusa de oncinha estava contando moedas para a passagem, enquanto eu começava a perceber que o motorista estava entrando em ruas que não conheço, o que é um perigo para mim, afinal de contas, a última vez que eu desci na parada perto do Instituto de Radiologia, foi quando eu e Camilla nos encontramos no Teatro de Cultura Popular, já fazia tempos.

Eu já estava com medo de parar no alecrim ou na cidade. Se isso acontecesse, só conseguiria chegar em casa depois do jantar. Perguntei ao rapaz se estávamos perto e ele disse que não. Uma senhora ia descer lá e pediu para que eu ficasse atento quando ela descesse. Mas existiam várias senhoras ali dentro.

Depois de ficar muito atento aos lugares que passávamos, mesmo sem saber onde estava, consegui chegar ao Papi que fica muito próximo ao Instituto de Radiologia que fica na mesma rua do Teatro que me encontrei com Camilla e da Cardioclínica, lugar para onde estava indo fazer um exame. 

Ao sair do ônibus, senti um alívio instantâneo, mas alívio maior foi quando entrei na clínica e senti o gelado do ar condicionado. Lá fora estava pelando e, sei lá, mas o calor me deixa agoniado. 

Eram onze em ponto. Por um momento, acreditei que eu era um funcionário de uma empresa chique que sempre chega pontualmente.

Perguntei onde faziam exames para a recepcionista e ela pediu para que eu me encaminhasse até a segunda recepção. No corredor um homem estava tocando violão enquanto esperava. Isso realmente aconteceu. Ele estava tocando violão no banco de espera. Sorri e segui até a segunda recepção onde tive uns problemas com a carteira da Unimed. Parece que não estava passando porque eu recebi uma nova, mas eu pedi uma nova pra ter duas, ué. Enfim, pedi uma ligação para casa, discuti um pouco com mamãe e resolvi o problema pedindo o número da carteira nova. 

Fiquei escrevendo no bloquinho enquanto a recepcionista passava o cartão, só que com outro número, e uma moça parou ao meu lado e ficou me observando escrever. Parei e deixei o bloco do lado.

Depois de fazer todo o processo, a recepcionista pediu para que esperasse ser chamado. Eu ia fazer um teste, exame, sei lá. Você tem que ficar correndo numa esteira para ver se não tem nada de errado com seu coração. É que eu quero fazer natação e preciso de um atestado, provando que estou apto.

Fiquei por ali, assistindo um cantor que não me agrada no Encontro com Fátima Bernanardes e ouvindo ele cantar que alguém "chorou que soluçou" por ele, ao mesmo tempo em que a moça atrás de mim dizia para si mesma que "essa música é muito chata". Depois, resolvi ler um pedaço de "O Apanhador no campo de centeio", de Salinger. Camilla me emprestou esse livro e tenho insistido na leitura por conta dela que gostaria de saber o que acharei da obra. Espero que melhore porque até agora só li a história de um cara que só faz reclamar da vida e usar as mesmas palavras para isso.

Parei na página cinquenta, exatamente o número que Camilla havia sugerido para ler no primeiro dia que peguei o livro, mas já faziam quase quatro dias que estava com ele.

Estava tomando chá de espera e escutando o homem tocar violão ao fundo. Notei que era minha primeira vez no médico sem mamãe dizer o que eu estava sentindo por mim. Todo esse negócio de chegar aos lugares sozinho e fazer as coisas sem precisar que alguém as faça por mim, me fez sentir as responsabilidades da idade na pele, mas ao mesmo tempo, fiquei feliz ao saber que a minha independência está sendo adquirida aos poucos.

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